Combate à precariedade na administração pública

Condição de justiça<br>e progresso

A um posto de trabalho permanente deve corresponder um vínculo efectivo, considera o PCP, que defende a vinculação urgente dos trabalhadores que respondam a necessidades permanentes nos serviços públicos.

A precariedade é injusta para os trabalhadores e má para a qualidade dos serviços

A esta ideia-chave veiculada pela bancada comunista em debate realizado há uma semana, 16, respondeu o secretário de Estado do Emprego assumindo a disponibilidade do Governo para resolver todas as situações que «venham a ser identificadas como de efectiva precariedade», independentemente de estarem ou não identificadas no relatório inicial elaborado pelo Executivo.

O secretário de Estado Miguel Cabrita falava no debate temático agendado por iniciativa do PCP sobre precariedade laboral na administração pública. Aí reconheceu que o relatório «Levantamento dos instrumentos de contratação de natureza temporária na Administração Pública» (elaborado por proposta do PCP ao Orçamento do Estado de 2016), que recenseou mais de 100 mil precários, «não cobriu todas as situações contratuais».

«2017 vai ser o ano de arranque para o processo que vai resolver esta questão», afiançou, depois de se comprometer que até final de Março o Governo apresentará uma proposta de lei com um «Programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na administração pública» e que até final de Outubro «estarão montadas as estruturas que levarão a cabo este trabalho».

O governante assegurou ainda que todos os precários que considerem estar a desempenhar um cargo permanente, mesmo que não incluídos no relatório, poderão expor a sua situação junto das comissões bipartidas de avaliação (Governo e sindicatos) a criar em cada Ministério.

Decência na contratação

A abrir o debate, a deputada comunista Rita Rato sublinhara já a importância de «encontrar soluções específicas que respondam a cada sector, mas com o objectivo de resolver o problema da precariedade e não para encontrar justificações que deixem tudo na mesma». Sobre o levantamento na administração pública, no sector empresarial do estado e nas autarquias das situações de precariedade (recurso a contratos emprego-inserção, estágios, bolsas de investigação ou contratos de prestação de serviços), reiterou a exigência de que o «outsourcing, o trabalho temporário e a tempo parcial» não fiquem «de fora» deste processo.

E entendendo que o «Estado deve ser uma referência para o conjunto da sociedade», sublinhou que a erradicação do flagelo da precariedade e o emprego com direitos, no público e no privado, são uma «condição indispensável ao desenvolvimento o País».

António Filipe, avaliando o trabalho em curso, expressou entretanto a congratulação da sua bancada por, «desta vez», estar a ser feito um «esforço sério» para resolver problemas para os quais o PCP há muito vem alertando.

E asseverou que, da parte do Grupo comunista, será dada a «máxima contribuição para que, definitivamente, estes problemas sejam resolvidas, para bem destas pessoas, dos serviços públicos e da decência na contratação de profissionais por parte do Estado».

Culpas no cartório

Desconversar, entre muito ruído, e tentativa de desviar o debate da sua matéria substantiva – como o de vir falar da «reforma do Estado», por exemplo – foi um expediente a que recorreram as bancadas à direita da câmara. Dessa forma procuraram camuflar o seu comprometimento com a situação e a inexistência de vontade e propostas suas para a alterar. A espelhar bem, no fim de contas, a responsabilidade destes partidos pela «situação de precariedade a que se chegou, particularmente na administração pública», como salientou o deputado comunista António Filipe.

Rita Rato, a este respeito, não deixou escapar alguns factos concretos que o atestam como seja o de o governo PSD/CDS-PP, entre 2011 e 2015, nunca ter querido fazer o levantamento dos precários na administração pública. Mais, recusou sempre as propostas apresentadas pelo PCP nesse sentido, tal como recusou responder aos requerimentos que lhe foram dirigidos solicitando esses dados.

A deputada comunista insistiu por isso na acusação àqueles partidos: «não querem discutir esta matéria pela razão simples de que estão de acordo e defendem a precariedade».

E lembrou que a precariedade «não caiu do céu» e que tanto no privado como no público é «responsabilidade directa de sucessivos governos, em particular do anterior PSD/CDS-PP, que na administração pública aplicou as piores práticas do sector privado».

Realidade que envergonha

A bancada comunista revelou no debate um conjunto de situações que testemunha bem a tremenda injustiça que é a precariedade e de como a vida e o futuro de quem a ela está sujeito ficam reféns e suspensos.

Professores, por exemplo, que estão há mais de 20 anos com contratos anuais sem terem uma vinculação ao Estado. Dramas humanos de quem, em certo casos, «anda centenas de quilómetros diários para a escola onde foi colocado», relatou António Filipe, ilustrando ocorrências identificadas entre os mais de 26 mil profissionais (três mil dos quais assistentes operacionais) contratados pelo Ministério da Educação.

Como o de uma professora que aos 40 anos já passou por 24 escolas, situação que o deputado do PCP considerou «inaceitável quer do ponto de vista humano quer da mais elementar lógica de funcionamento dos serviços e das instituições». Ou, ainda, a situação de investigadores doutorados que «andam há 20 anos a viver sucessivamente de bolsas profissionais», como acontece em agronomia, quando o que deveriam ter é um emprego científico com estabilidade.

Na área da saúde o panorama não é melhor, com António Filipe a dar o exemplo do Centro Hospitalar do Oeste onde há 180 assistentes operacionais precários há 18 anos. «Vemos enfermeiros com falsos recibos verdes, pessoas que resolvem necessidades permanentes mas estão a recibo verde, médicos contratados por empresas de trabalho temporário para trabalharem no SNS», relatou, defendendo que tais situações «não podem continuar».

Batalha sem tréguas

A precariedade é uma realidade nefasta que se faz sentir há longos anos, mas que se acentuou de forma notória com o último governo PSD/CDS-PP. «A excepção transformou-se em regra», criticou Rita Rato, lamentando que em simultâneo, a par da banalização da precariedade, o contrato efectivo tenha passado a ser «miragem».

Daí a severa crítica que dirigiu às bancadas à direita do hemiciclo a quem acusou de terem tentado «impor a precariedade como alternativa ao desemprego», sob a «falsa lógica de que "mais vale um estágio do que nada, um falso recibo verde, um contrato a prazo, uma bolsa"».

Ora o que a vida se encarregou de comprovar é que a «alternativa ao desemprego não é a precariedade mas sim o emprego com direitos», realçou a deputada comunista, sublinhando assim a necessidade imperiosa de erigir este combate à precariedade ao nível do compromisso do Estado, a exemplo do que se fez com a erradicação do trabalho infantil.




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